A supressão do desenvolvimento de certas tecnologias avançadas promissoras tem sido uma prática constante de certos círculos do Establishment anglo-americano, em seu empenho permanente de preservar estruturas econômicas e empresariais consolidadas e obstaculizar a emergência de outros pólos de poder contestatórios da sua agenda hegemônica. A área energética em geral, e a nuclear, em particular, tem sido um campo fértil para tais manobras, no qual o empenho tem ocorrido sob o pretexto de evitar a proliferação de armas nucleares. A promissora tecnologia dos reatores alimentados a tório foi uma de suas vítimas.
A tecnologia do tório não constitui exatamente uma novidade, já se encontrando em desenvolvimento na década de 1950. Entretanto, somente na última década a possibilidade se tornou concreta. Em exibição no Google TechTalks, evento de apresentação de personalidades promissoras na área científica promovida pela empresa estadunidense, em dezembro de 2011, o engenheiro nuclear Kirk Sorensem resumiu o contexto histórico em que a tecnologia de reatores regeneradores (breeder), desenvolvida pelo físico estadunidense Alvin Weinberg, a partir da década de 1950, foi deliberadamente obstaculizada.
Doutor em engenharia nuclear pela Universidade do Tennessee e cofundador da empresa Flibe Energy, criada para difundir a tecnologia dos reatores breeder, Sorensen afirma que os reatores de tório não avançaram nos EUA devido a decisões políticas contrárias ao seu desenvolvimento. Para ilustrar tal afirmação, resumiu a trajetória de Weinberg como diretor do Laboratório Nacional de Oak Ridge, entre 1955 e 1972, período no qual chefiou o grupo de pesquisa que desenvolveu a tecnologia de reatores MSR (Molten Salt Thorium Reactor).
Segundo Sorensen, mesmo sendo altamente promissora, podendo aproveitar 100% da energia liberada com a reação nuclear e produzindo energia e água potável (sendo, por isso, ideal para impulsionar a irrigação de terras aráveis, por meio da dessalinização da água do mar), a MSR foi deliberadamente engavetada. A tecnologia foi originalmente concebida para atender o projeto Propulsão Nuclear para Aeronaves (Aircraft Nuclear Propulsion-ANP) da Força Aérea dos EUA. O objetivo era desenvolver um reator compacto e eficiente o suficiente para fornecer energia a aeronaves militares, e chegou a ser responsável por 25% do orçamento de Oak Ridge.
Entretanto, devido ao cancelamento do projeto ANP, Weinberg dedicou-se a adaptar a tecnologia MSR para fins civis de geração de eletricidade, destacando o fato de ser esta tecnologia de geração nuclear mais segura e eficiente do que os reatores alimentados com urânio-233 e urânio-235. A empreitada resultou em um desenho de um reator de potência que podia utilizar tanto urânio-233 (resultante da transmutação do tório-232) como plutônio 239 como combustível, além de ser à prova de derretimento, em caso de acidente.
De fato, foi no momento em que os esforços de Weinberg tiveram os primeiros resultados que o físico começou a sofrer uma série de pressões de congressistas e do diretor da Comissão de Energia Atômica dos EUA (AEC), Milton Shaw, que acabaram resultando na sua demissão, em 1973. Tal medida, aliada aos cortes de verbas e à ausência do apoio dos industriais estadunidenses do setor, já comprometidos com a tecnologia dos reatores de urânio enriquecido, fez com que os reatores MSR saíssem de cena.
Interessante ressaltar que a demissão de Weinberg se deu no governo de Richard Nixon (1968-1974), presidente que fez inúmeros discursos exaltando o desenvolvimento de reatores regeneradores como uma tecnologia que iria gerar empregos para milhões de pessoas ao redor do mundo, e afirmando que o desafio de desenvolver tal tecnologia era um objetivo nacional a ser alcançado.
Para Sorensen, a demissão de Weinberg foi uma enorme perda para a ciência estadunidense e mundial, uma vez que ela fechou uma área de pesquisas extremamente promissora. Segundo ele, Milton Shaw e o deputado federal Chet Holifield, na época, o principal congressista envolvido no assunto, foram os maiores responsáveis pela demissão de Weinberg. Em uma audiência, diante da alegação deste de que os reatores a tório eram mais interessantes por serem mais seguros, Holifield chegou a retrucar que, se Weinberg estava realmente preocupado com a segurança dos reatores, deveria abandonar o ramo da energia nuclear.
Além da demissão de Weinberg, Shaw e Holifield também lograram que, em janeiro de 1973, a AEC determinasse que Oak Ridge encerrasse todas as suas linhas de pesquisa com reatores MSR.
A posição formal da presidência dos EUA se manteria favorável ao desenvolvimento dos reatores regeneradores até a disputa eleitoral pela presidência entre Gerald Ford e Jimmy Carter. Enquanto este sempre se declarou francamente contrário a investimentos em pesquisa na área de energia nuclear, Ford originalmente se colocava a favor, e visando atrair o eleitorado antinuclear, Ford decretou a suspensão de todas as pesquisas com reatores breeder nos EUA, com base no argumento de que eles poderiam impulsionar a proliferação nuclear, por produzirem plutônio 239. Com a eleição de Carter, este consolidou o cancelamento das verbas federais para pesquisas com reatores regeneradores, e as realocou para pesquisas sobre energia solar. Até hoje, a decisão de Ford/Carter em relação aos breeder não foi revista.
As iniciativas de supressão dessa tecnologia não se originavam apenas nos EUA. Em um depoimento a Álvaro Rocha e João Carlos Vitor Garcia, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Renato Archer (falecido em 1996) descreveu uma visita que fez, em 1957, ao Centro de Pesquisa de Energia Atômica de Harwell, na Inglaterra, quando era deputado federal e comandou a CPI da Questão Nuclear (1956). Na ocasião, Archer, que apoiou intensamente os esforços do almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, pioneiro do programa nuclear nacional, foi recebido pelo diretor científico do centro, John Dunwolrth. Durante a visita, segundo suas palavras:
Em um determinado momento, chegamos em frente a um galpão maior e ele (Dunworth), apontando, disse: “É um reator a tório. Está em fase de teste e em pleno funcionamento. Não vamos continuar a desenvolvê-lo. Não nos interessa a tecnologia do tório, pelo menos no momento. É um problema que diz respeito a vocês e à Índia. Mas você não viu nada. Se disser que viu, vou dizer que você é um mentiroso e um comunista. Todo mundo vai acreditar em mim, e não em você, não é mesmo?” (Álvaro Rocha e João Carlos Vitor Garcia. Renato Archer: Energia atômica, soberania e desenvolvimento, depoimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006).
Com tais decisões, a tecnologia do tório precisou esperar que os indianos a desenvolvessem, o que resultou na construção do reator Kakrapar-1, em 1993. Atualmente, além da Índia, a Rússia e a China também estão investindo nessa promissora tecnologia, que pode multiplicar em duas ordens de grandeza a disponibilidade mundial de combustível nuclear, já que os minérios de tório são muito mais abundantes que os de urânio, além de proporcionar níveis de segurança incomparavelmente maiores.
Estou pesquisando o chamado escandalo da areia monazitica , nos anos 45 a 54, e foi muito útil essa informação.sempre quis saber sobre o que India havia feito.