Em 11 de fevereiro, completaram-se 100 anos da morte de Oswaldo Cruz, um dos maiores cientistas brasileiros e, que, com toda justiça, merece ser incluído no panteão dos “inventores” do Brasil como o conhecemos, pelo seu papel pioneiro na formulação de uma política de saúde pública para o desenvolvimento e a integração do País e, não menos, na institucionalização das pesquisas científicas ao serviço da sociedade. Em qualquer país que dê a devida importância aos seus grandes personagens históricos, a ocasião seria motivo para celebrações diversas, como conferências, seminários, reportagens especiais, novas biografias e outras homenagens. No entanto, o silêncio a respeito da data foi sepulcral, salvo por uns raros artigos, este inclusive. Por ironia, a efeméride se deu num momento em que o Brasil se defronta com a maior crise da sua história, marcada por uma perigosa deterioração das estruturas do Estado e da própria vida nacional, como se observa pela proliferação de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, inclusive a febre amarela, ambos erradicados das áreas urbanas pelo trabalho iniciado por Oswaldo Cruz na primeira década do século XX, em condições muito mais precárias que as atuais, e que agora voltam a ameaçar o País. Se não houvesse outros motivos, apenas por isso valeria recordar a trajetória desse gigante, que, em apenas 17 anos de vida profissional, encarnou e catalisou um impulso fundamental para que o Brasil começasse a superar o atraso histórico em que se encontrava. Raízes Nascido em 5 de agosto de 1872, em São Luís do Paraitinga (SP), Oswaldo Gonçalves Cruz teve uma forte influência do pai, o médico Bento Gonçalves Cruz, e da mãe, Amália Taborda Bulhões Cruz, mulher de educação refinada que lia nos originais os clássicos franceses e italianos e com quem aprendeu as primeiras letras. Em 1877, a família voltou para o Rio de Janeiro, cidade de origem do casal, onde o doutor Bento passou a clinicar. Em 1886, nomeado membro da Junta Central de Higiene Pública, iniciou um breve, mas profícuo envolvimento com os precários serviços de saúde pública da cidade, que culminaria com a sua nomeação para inspetor-geral de Higiene, em janeiro de 1892. A carreira foi abreviada pela sua morte prematura, em 8 de novembro daquele ano, aos 47 anos, por nefrite, doença renal então incurável e que, anos depois, também vitimaria Oswaldo. O jovem Oswaldo progrediu rapidamente nos estudos, entrando para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com apenas 14 anos. Ali, encantou-se com a microbiologia, área que progredia rapidamente sob a influência da revolução científica deflagrada pelo francês Louis Pasteur, pioneiro da identificação dos microrganismos como vetores de numerosas doenças e fundador do célebre Instituto Pasteur de Paris, então, o principal centro de pesquisas biomédicas do mundo. Formou-se em 1892, com uma tese sobre “A veiculação microbiana pelas águas”, por trágica coincidência, defendida no dia da morte de seu pai. Em 1893, casou-se com Emília Fonseca, filha do comendador Manuel José da Fonseca, que viria a ter grande importância na trajetória futura do genro. O casal teve seis filhos, dois dos quais, Oswaldo Filho e Walter, seguiriam os passos do pai como pesquisadores no futuro Instituto Oswaldo Cruz (hoje Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz). Com a ajuda do sogro, em 1897, foi para Paris, onde aperfeiçoou-se em microbiologia no Instituto Pasteur, além de estudar urologia e medicina legal e aprender as técnicas de fabricação de artefatos de vidro para laboratório, visando fabricá-los no Brasil. Ali, estudou com grandes nomes como Émile Roux, sucessor de Pasteur na direção do instituto, e o russo Ilya Metchnikoff, que, impressionado com as qualidades do brasileiro, o convidou para permanecer em Paris e trabalhar com ele. Felizmente, para o Brasil, Oswaldo declinou do convite. Outra influência importante foi Adrien Proust, inspetor-geral de Saúde Pública e professor de Higiene na Faculdade de Medicina (e pai do escritor Marcel Proust), idealizador do conceito de “cordão sanitário” (cordon sanitaire) para deter a proliferação de doenças contagiosas. De volta ao Brasil, em 1897, em pouco tempo, seria chamado a tarefas maiores que a clínica privada. O cientista-sanitarista Em outubro de 1899, Oswaldo foi convocado para integrar, junto com os médicos paulistas Adolfo Lutz e Vital Brazil, do Instituto Bacteriológico de São Paulo (fundado em 1893), uma comissão para investigar casos de peste bubônica em Santos (SP). Em maio seguinte, por indicação de Émile Roux, foi nomeado diretor-técnico do recém-criado Instituto Soroterápico Municipal do Rio de Janeiro, dirigido pelo Barão de Pedro Afonso, renomado professor da Faculdade de Medicina. A produção do soro antipestoso, para a qual o instituto fora criado, não era tarefa simples, pois a fórmula de fabricação não era de domínio público, ao contrário da já existente vacina contra a varíola. Com uma equipe diminuta, Oswaldo conseguiu desenvolver uma fórmula adequada às condições brasileiras, com um resultado considerado excelente pelo Instituto Pasteur e pelo Instituto Koch de Berlim. |